O samba e o shopping carioca que recusa os 'vadios'

Shopping proíbe vadiar pelo local
Por Pedro Muxfeldt

Nas primeiras décadas do século XX, o samba e demais ritmos originados nas camadas mais baixas da sociedade carioca eram duramente perseguidos pelas forças policiais. Negros e mulatos com um violão debaixo do braço e sem assinatura na carteira de trabalho eram grampeados pelo crime de vadiagem. Desde então, o samba, encampado como símbolo da brasilidade por Getúlio, ganhou respeito e o ofício de sambista passou a ser mais valorizado.


Porém, a vadiagem, que só deixou de ser considerada uma contravenção penal em 2012, segue viva. Reportagem de ontem do Globo mostrou que o shopping Nova América, na Zona Norte do Rio, informa aos clientes, em seu Código de Conduta, que "é proibido vadiar pelo shopping, sem motivo específico para estar presente".


Se estão distantes no tempo em cerca de 80 anos, os dois momentos guardam uma semelhança: ambos possuem alvos definidos. Antes de serem músicos ou batedores de perna, os enquadrados em tais regras são negros e mulatos pobres da cidade sempre perseguidos pelo aparelho repressivo do Estado e discriminados pela sociedade.

Na história contada pelo jornal, impressiona ainda mais o pronunciamento do shopping. Segundo a administração, o código, elaborado em 2006, "utiliza termos adequados ao período que foi criado. O empreendimento já estuda a revisão do regulamento devido às mudanças no comportamento da sociedade".

Há oito anos não havia problema nenhum em classificar alguém como vadio, hoje sim. É cômico de tão cara de pau. E uma mostra de como o racismo está entranhado no tecido social brasileiro e torna uma resposta dessas possível de ser dada sem maiores consequências.

O projeto de Brasil do Estado Novo conseguiu livrar o samba desse estigma, arrebentar os grilhões do preconceito é matéria muito mais complexa, mas que precisa ser encarada não só pelos governos, mas por toda a sociedade para isolar e punir atitudes que nos prendem ao passado escravagista.

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