"Política externa de Marina será a mais agressiva à direita"

Programa de Neca e Marina é guinada à direita


Por Pedro Muxfeldt

Se nossa independência chegou há exatos 192 anos, ela foi aprofundada em grande medida nos últimos 12 anos com a chegada do PT ao poder e a mudança do eixo de relações externas das potências ocidentais para América Latina e os Brics. Na visão do cientista político Carlos Eduardo Martins, do Laboratório de Estudos de Hegemonia e Contra-hegemonia da UFRJ, essa conquista fundamental está sob risco em caso de vitória de Marina Silva e Aécio Neves nas eleições de outubro.

Entrevistado pelo Trocando Ideia, o professor classifica a visão de Marina sobre política externa - exposta em seu programa de governo - como “a mais agressiva na postulação de mudanças à direita”. Além disso, Martins também avaliou as propostas do candidato tucano e fez um balanço dos erros e acertos da diplomacia nos governos do PT. Confira.

Desde 2003, a política externa nacional passou por mudanças em relação aos governos anteriores. Quão profundas foram essas alterações?

A política externa não apenas retomou o conceito de soberania que havia perdido, mas nos lançou o desafio de potência global emergente com os Brics. O Brasil surpreendeu o mundo ao oferecer uma alternativa pacífica para o enriquecimento do urânio iraniano e ao chamar seu embaixador para consultas sobre o massacre de Israel na Palestina. E na Declaração de Fortaleza se posiciona sobre todos os grandes temas globais, estabelecendo-se como um país que agora faz política externa mundial.

Quais os aspectos positivos da política externa dos governos do PT?

Pôr fim à subordinação absoluta aos Estados Unidos ao bloquear a Alca e impulsionar a integração solidária latino-americana ampliando o Mercosul, impulsionando a criação da Unasul e da Celac. Além disso, nos colocou numa aliança com os países continentais emergentes, os Brics, que podem redefinir a geopolítica mundial nas próximas décadas em direção a um mundo multipolar. Deve-se destacar também o compromisso com a democracia regional, diferentemente dos governos do PSDB que condecoraram com a Ordem do Cruzeiro do Sul a Alberto Fujimori.

E os aspectos negativos?

A contenção do alcance do realinhamento dessa política e a presença brasileira até hoje na Minustah (missão humanitária no Haiti), que revelam os limites de um governo que não rompeu radicalmente com o Consenso de Washington. Um exemplo é o desenho da arquitetura financeira da América do Sul, que permanece bastante incompleto, pois dela excluímos a criação de Fundo de Estabilização e uma moeda regional e o Banco do Sul, criado em 2007, que não entrou em funcionamento por não ter sido autorizada a participação brasileira pelo Congresso Nacional até hoje.

A caminho do 2º turno, Marina Silva pouco se manifesta sobre política externa. Como seria nossa diplomacia num eventual governo da ex-ministra?

A política externa proposta por Marina é a mais agressiva na postulação de mudanças à direita. Trata-se de uma política radicalmente alinhada aos Estados Unidos e na contramão das tendências surgidas na América do Sul na última década: dependente, pseudossustentável e que ameaça regredir nossos níveis de soberania. Ou seja, será a diplomacia da ecodependência, muito mais dependente do que ecológica.

Na prática, o que pode ocorrer num governo Marina no campo das relações exteriores?

Marina defende rebaixar o estatuto do Mercosul e romper a articulação em bloco que tanto tem fortalecido nossa política externa e passar para um modelo de atuação avulsa nas relações internacionais, estabelecendo tratados de livre comércio com União Europeia e Estados Unidos. Ela afirma de maneira surpreendente que a ascensão dos países emergentes e a decadência das potências ocidentais não se verificou, defendendo a via mexicana e as reformas neoliberais de Enrique Peña Nieto que ameaçam privatizar a Pemex. Propõe a inscrição de nosso país no âmbito da aliança transpacífica e a radical internacionalização da economia brasileira com o rebaixamento da diversificação de nosso parque industrial em nome da inserção subordinada nas cadeias de valor globais.

Marina tem na defesa do meio ambiente uma de suas principais bandeiras. Como suas posições nesta questão afetam nossas relações com outros países e a infraestrutura energética do Brasil?

De forma impressionante, Marina afirma que os Estados Unidos implementam planos ousados de aumento da eficiência energética que reduzem as emissões de CO2, silenciando-se sobre as tecnologias de fracking para a produção de gás de xisto que elevaram os índices de abalos sísmicos no país. Pronuncia-se em favor dos modelos de partilha e concessão, mas coloca em segundo plano a exploração de nossas reservas do pré-sal através do modelo de partilha em associação com os chineses, o que nos permite estabelecer forte controle nacional sobre as decisões produtivas.

Como Marina se posicionaria face aos crescentes conflitos que ocorrem atualmente no mundo?

Marina tem defendido uma atuação diplomática mais comprometida com os direitos humanos, mencionando os casos da Síria e da Crimeia, mas silencia-se sobre o golpe de Estado neofascista na Ucrânia e sobre o massacre do povo palestino por Israel.

Aécio Neves já fez pesadas críticas à relação brasileira com os governos bolivarianos. Como será nosso relacionamento com a América Latina em caso de vitória do tucano?

A vitória do tucano é muito improvável e a tendência do PSDB no médio prazo é se extinguir como partido nacional assim como fez o PFL (hoje DEM). Em caso de vitória do Aécio retomaríamos uma política externa de alinhamento aos Estados Unidos, os padrões comercialistas de integração, nos aproximaríamos da Aliança do Pacifico, esvaziaríamos o Mercosul e congelaríamos a relação com os BRICS.

O Brasil atualmente tem projetos de financiamento de obras em diversos países da América Latina. Estes investimentos poderiam ser repensados em caso de vitória de Aécio?

Nossa política externa se alinharia aos interesses dos Estados Unidos, inviabilizando as oportunidades de negócio em seus adversários políticos como Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e também Argentina em contencioso com a justiça norte-americana em razão da atuação dos fundos abutres. Nos isolaríamos em nossa região, nos aproximando mais de Colômbia, Peru, Panamá e Chile, atualmente sob influência de Washington.

Aécio é acusado por setores ligados ao PT de querer adotar postura subserviente aos interesses de EUA e União Europeia. Como seria o trato de um governo do PSDB com as potências internacionais?

Provavelmente enfatizaríamos os tratados de livre comércio e os acordos bilaterais em lugar dos regionais, dando marcha atrás na supranacionalidade, colocando em risco o Mercosul e sua cláusula de negociação em bloco, reeditando a Alca em forma ampliada para incluir outras regiões como a UE.

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